Wednesday, May 19, 2010

Recorte de Janela

Recorte da Janela

É uma janela linda. A janela em si não é linda, a paisagem o é. As árvores centenárias balançam seus galhos e abraçam o vento que passa, hora forte como noivo apaixonado, hora suave como carinho de bebê de meses. Os pássaros vão surgindo pela manhã, amarelados, vermelhos, brancos e cinzas e os pardais, que a gente nem sabe ao certo como são, pois de tão comuns e constantes, nos esquecemos de observá-los. De repente, a paisagem muda, vejo uma praia linda, cheia de gaivotas, vejo minha mãe sentada na areia limpa e minha irmã lendo um livro e chamando: “Venha, Nessa, venha!” Outra hora, vejo a floresta, parece que estou em Visconde de Mauá, de novo em lua-de-mel, que lindo, que lindo, olha o sorveteiro, olha a mesa de café da manhã com suco de laranja e sonho, não o doce, mas o sonho da gente. Olho de novo, agora chove, chove tanto. Estou no quintal lá de casa, recolhendo a roupa às pressas e mamãe dizendo: “Corre, filha, corre”! E o cheiro de sopa de fubá vindo lá de dentro mistura-se com o cheiro da terra molhada da chuva de quarta-feira de cinzas. Vejo também o futuro, não só o passado que me embala em nostalgia. Vejo uma casinha bonita, um quinta, minha filha fazendo lição na mesa de madeira comprida, e mais bebês, alguns meus, outros dos amigos que vem visitar. Casa cheia, Paulinho da Viola na vitrola (sim, tenho uma vitrola verde no meu futuro), doce de abóbora madura no fogão, uma rede macia cor de nuvem baixa e leve, a cachorrada correndo feliz, brincando com a bola da Anastácia, o jornaleiro entrega as notícias de domingo para o Chico, domingo feliz, semana promete...

É uma janela linda, preciso sentar nessa cadeira vermelha mais vezes, olhar para o recorte da vida, olhar para mim mesma através dessa janela mágica. Agora chove, chove de verdade, preciso fechar as cortinas, como há anos tenho feito, as cortinas, as persianas e também a janela, minha linda janela.

vanceci