Trinta e Dois

Acordei chateada, preocupada, aflita. "Trinta e Dois anos se passaram" -pensei. Analisava minha existência sob uma perspectiva bem pessimista. Não tenho um emprego, apesar de ter estudado para isso. Não tenho uma casa, não tenho uma poupança, não tenho estabilidade financeira para garantir o futuro de minha filha. Já perdi mãe, irmã, avô, cachorro, passarinho... O que será? Para onde irei? Nada conquistei... De repente, um pensamento doido, cheio de alegria e esperança tomou conta de mim e senti-me terrível diante de minha ingratidão com Deus. Como se a voz dele falasse comigo, apontando para tudo o que sou e tenho... Enquanto muitos tem um par de amigos com quem contar, a Vida me deu dúzias de Ótimos Amigos e centenas de colegas. Tenho uma avó de 90 anos lúcida e linda que me dedica amor incondicional. Tenho tias que me mimam e dedicam seu tempo e sua confiança em mim. Tenho um pai vivo, após enfrentar problemas seríssimos de saúde. Tenho um marido maravilhoso, presente, doce, sincero, honesto, um exemplo de ser humano, amigo da Vida embora a Vida o tenha dado tantas decepções. Tenho Minha Filha saudável, bonita, inteligente, meiga, meu anjo que cantou Parabéns a Você para mim em Inglês e Portugûes ainda antes de sair da cama nessa manhã. Tenho primas-irmãs, tenho priminhos sobrinhos dos quais tanto me orgulho, afilhado amoroso e feliz e amiga irmã. Tenho agora também família de marido, pessoas maravilhosas aqui no Brasil que nos acolheram com tanto amor. Essa é a família que meu marido merece.
Tenho saúde, posso caminhar, enxergar, ouvir, cantar...
Por tudo isso e muito mais, agradeço ao meu Deus hoje e peço perdao pela minha ingratidão de tantos dias.
Feliz Aniversário para mim.

So eu sei

So eu sei, so eu sei.
Quanto tempo esperarei?
O que ha de cheio nesse meu vazio?
So eu sei, so eu sei.

O que tenho passado por aqui, nesse mundo sem dono?
So eu sei.
O que sinto nesse peito sofrido, tao cansado e arredio?
So eu sei.

Escrever ja nao me basta.
Chorar ja nao me serve.
Conversar nao me afaga.
Contar a mim mesma, contar comigo mesma, comunicar-me meus desejos de paz. E so.
So eu sei. So eu sei.

Simples

Simples. Simples ser complexo, falar difícil, ter "status".
Simples ir a Roma, dar palestras, divulgar verdades alheias.
Simples deixar a quem se ama, fazer-se vítima, voar para longe. Simples é ter orgulho, é entregar-se a vaidade.

Difícil é estar. Difícil é ficar. Difícil é orar. Difícil é amar ser medo. Difícil é perdoar. Difícil é ser alguém não sendo nínguém. Complicado e glorioso é ser simples.

vanceci

A folha

A folha

Aquela folha de papel branco a me observar.
Bate o vento, a follha voa.
Pego a folha, a folha quieta.
Aquela folha de papel branco a me observar.

Aquela folha de papel branco a me observar.
Dobro a folha, a folha amassa.
Pego a folha, a folha quieta.
Aquela mesma folha de papel branco a me observar.

Aquela folha de papel branco a me observar.
Rasgo a folha, a folha estraga.
Pego a folha, a folha quieta.
Aquela folha de papel branco a me observar.

Escrevo meu nome na folha.
A folha não é mais a mesma.
A folha grita: “Socorro!”
E eu ali, pálida, a observar
Aquela folha que era de papel branco a me assustar.

Recorte de Janela

Recorte da Janela

É uma janela linda. A janela em si não é linda, a paisagem o é. As árvores centenárias balançam seus galhos e abraçam o vento que passa, hora forte como noivo apaixonado, hora suave como carinho de bebê de meses. Os pássaros vão surgindo pela manhã, amarelados, vermelhos, brancos e cinzas e os pardais, que a gente nem sabe ao certo como são, pois de tão comuns e constantes, nos esquecemos de observá-los. De repente, a paisagem muda, vejo uma praia linda, cheia de gaivotas, vejo minha mãe sentada na areia limpa e minha irmã lendo um livro e chamando: “Venha, Nessa, venha!” Outra hora, vejo a floresta, parece que estou em Visconde de Mauá, de novo em lua-de-mel, que lindo, que lindo, olha o sorveteiro, olha a mesa de café da manhã com suco de laranja e sonho, não o doce, mas o sonho da gente. Olho de novo, agora chove, chove tanto. Estou no quintal lá de casa, recolhendo a roupa às pressas e mamãe dizendo: “Corre, filha, corre”! E o cheiro de sopa de fubá vindo lá de dentro mistura-se com o cheiro da terra molhada da chuva de quarta-feira de cinzas. Vejo também o futuro, não só o passado que me embala em nostalgia. Vejo uma casinha bonita, um quinta, minha filha fazendo lição na mesa de madeira comprida, e mais bebês, alguns meus, outros dos amigos que vem visitar. Casa cheia, Paulinho da Viola na vitrola (sim, tenho uma vitrola verde no meu futuro), doce de abóbora madura no fogão, uma rede macia cor de nuvem baixa e leve, a cachorrada correndo feliz, brincando com a bola da Anastácia, o jornaleiro entrega as notícias de domingo para o Chico, domingo feliz, semana promete...

É uma janela linda, preciso sentar nessa cadeira vermelha mais vezes, olhar para o recorte da vida, olhar para mim mesma através dessa janela mágica. Agora chove, chove de verdade, preciso fechar as cortinas, como há anos tenho feito, as cortinas, as persianas e também a janela, minha linda janela.

vanceci

Presente de vo, presente de tia...

Presente de vó, presente de tia.

Um ano fará minha estrela Heloísa Lúcia. Um ano de Luz, um ano de Vida.
Ouvi há alguns dias uma contente avó dizendo: “Agora estou comprando presentes para minha netinha. Afinal, vó é para isso, não é mesmo? Ela fará aniversário.” A conversa não era comigo, mas me devastou, confesso. Ontem, na consulta médica de rotina, o pediatra disse: “Não digam à vovó que falei isso, mas a dentição....” Sorriso amarelo de minha parte. Heloísa não tem avó, Heloísa não tem titia. Pronto. Lágrimas e lágrimas, pranto enquanto ela fazia carinho em meu rosto e dizia: “Mamamama” . Um filme em minha cabeça descabeçada pela angústia daquela constatação constante: Heloísa não receberia presentes de aniversário de vó, nem de tia. Heloísa não seria buscada na escolinha, não ganharia bolsinha de crochê, não comeria docinho especial dos domingos na casa da avó, não trocaria confidências com a tia, não teria poupança feita às escondidas pela vovó, nem festinha surpresa dada pela tia. Heloísa não sentiria o gosto de férias se aproximando, ansiedade por passar semanas na casa da avó. Não teria para quem ligar pedindo aquele presentinho que eu tive de negar, ninguém para fazer mil cópias das fotos e filmagens de todos os aniversários e distribuir para as comadres do clube de artesanato... Heloisinha não terá nesse aniversário e em qualquer outro presente de vó e de tia. E isso desesperou-me mais que a ela, inocente, a brincar com o guardanapo de papel que pegou da minha mão. E foi aí que um sopro divino aqueceu meus ouvidos em um silêncio gritante: Heloísa tem os melhores presentes que uma vó e uma tia poderiam dar! Todas as noites, quando ela adormece, oro por ela... e peço à avó e à tia da Heloisinha, minha mãe e minha irmã que a protejam... Peço que elas deem a minha filhinha saúde, paz, inteligência e discernimento... Peço que seja uma menina feliz, uma mulher segura, uma pessoa do bem. Rogo por um coração feliz, por uma alma pura, por uma existência harmoniosa e cheia de sucessos... Peço presente de vó, presente de tia! E sinto que ela recebe esses presentes diariamente.... e nem precisa esperar pelo pacote no dia do seu aniversário... Minha filha tem sim e sempre terá presente de vó, presente de tia.... E por isso, mesmo com o coração cheio de dor, eu agradeço... Mesmo que num um piscar de olhos eu responda que prefereria que as duas chegassem aqui em casa com as mãos cheias, com os braços abertos para um abraço físico em minha filha, eu sou grata... Sou grata pelos presentes que não posso dar, pela magia divina de presentes de vó-anjo e tia-anjo que ela recebe... e que sempre receberá.... Presentes de vó, presentes de tia.

Ausência (A notícia)

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